Renata Meirelles, Universidade de São Paulo/ Estágio no exterior: King’s College London
Durante o regime militar brasileiro, a organização Anistia Internacional (AI), trabalhou na defesa de presos políticos e na divulgação de denúncias de tortura entre a comunidade internacional. A Anistia Internacional foi fundada em 1961, em Londres, e começou a dedicar maior atenção ao Brasil em fins dos anos 1960, quando a passou a receber um crescente volume de denúncias tortura.
A prática da tortura foi institucionalizada no aparato de repressão do regime militar brasileiro sobretudo durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, como forma de investigação de crimes políticos, de perseguição a grupos armados e intimidação dos movimentos de oposição ao regime militar brasileiro. Em 1969, governo de São Paulo, em conjunto com empresários, lançou a Operação Bandeirantes (OBAN) para combater grupos armados e movimentos de oposição. A iniciativa foi bem-sucedida e foi expandida para outras partes do Brasil com a instalação dos DOI-CODIs. Com este novo sistema integrado, cada região militar possuía um Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), responsável pelas operações de planejamento e integração de informações de inteligência e um Destacamento de Operação Interna (DOI), que foi responsável por detenções, interrogatórios – a maioria deles sob tortura brutal – de prisioneiros políticos.
Em 1972, A Anistia Internacional lançou uma campanha abrangente de alcance mundial contra a tortura que ficou conhecida como Campanha Contra a Tortura (Campaign Against Torture). Por meio de eventos, palestras e conferências a organização buscou sensibilizar setores da sociedade civil, a Organização das Nações Unidas (ONU) e governantes sobre o problema da tortura no mundo. Como parte do mobilização da Anistia Internacional contra a tortura, a organização se dedicou à produção de relatórios específicos sobre tortura em países – como para caso brasileiro – e gerais sobre denúncias de tortura no mundo. Com a publicação desses relatórios, os integrantes da Anistia buscavam divulgar seu conteúdo para a imprensa como forma de pressionar governos violadores de direitos humanos. Ao mesmo tempo, a estratégia de divulgação dos relatórios junto à imprensa era interessante porque colocava em evidência a existência de presos políticos que os regimes ditatoriais faziam “desaparecer.”
O Relatório sobre as Acusações de Tortura no Brasil (Reports on Allegations of Torture in Brazil) foi publicado em 23 de Agosto de 1972. Este documento foi baseado nas denúncias de tortura recebidas pela organização desde o ano de 1968. Com noventa páginas, o documento contém informações sobre a história e legislação brasileiras; descrição das práticas de tortura realizadas pelo aparato de repressão do regime militar; lista nominal das vítimas de tortura e depoimentos de algumas delas. Nele, a Anistia internacional afirmou que a tortura era amplamente difundida no Brasil.
♦ Para relatório da Anistia Internacional sobre denúncias tortura no Brasil
Cartas da Anistia Internacional:
Além da mencionada estratégia de produção e publicação de relatórios sobre países, a Anistia Internacional atuava em uma outra importante frente de trabalho: o processo de “adoção” e escrita de cartas em nome de presos políticos. Um preso, ao ser “adotado” pela Anistia Internacional, era objeto de atenção de um de seus grupos de voluntários. O grupo seria então responsável pelo preso em questão, isto é, por obter inoformações a seu respeito e por escrever cartas em seu nome para conseguir sua libertação ou um melhor tratamento na prisão. Apenas poderiam ser adotados presos que não houvessem recorrido à violência como forma de luta ou oposição e que, na linguagem da Anistia Internacional, ficaram conhecidos como “prisioneiros de consciência” (prisoner of conscience).
A escrita de cartas se tornou um traço diferencial da Anistia em relação a outros movimentos e campanhas a favor da libertação de presos políticos. Apesar do número relativamente baixo de prisioneiros adotados em relação ao total de presos políticos brasileiros existentes, a escrita de cartas se tornou um meio eficiente de proteção dos presos políticos contemplados. Com as cartas, a organização buscava transmitir a mensagem de que aqueles indivíduos não haviam sido esquecidos; de que alguém, em alguma parte do mundo, manifestava preocupação com sua integridade.
Acima: Frente e Verso de Cartão desenhado a mão por integrantes da Seção Holandesa da Anistia Internacional. APESP.
♦ Arte e política nas imagens da Anistia internacional
No entanto, parte considerável dos presos políticos brasileiros do regime militar dificilmente poderia se enquadrar na categoria de “prisioneiros de consciência”, já que vários deles pertenciam a organizações de esquerda que defendiam abertamente a luta armada. Essa restrição da organização pode explicar, ao menos em parte, o relativo baixo número de presos políticos brasileiros adotados. De acordo com documento interno da Anistia Internacional de 1970, o Brasil possuía em torno de 12.000 presos políticos, dos quais apenas 119 eram adotados e outros 59 se encontravam “sob investigação”. O relativo número baixo de prisioneiros adotados explica-se também pela própria dinâmica interna da organização que dependia do trabalho voluntário de seus membros para a escrita de cartas.
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Carta de Lucio Vieira, diretor do DOPS/SP a integrantes da da Seção Holandesa da Anistia Internacional. APESP. São Paulo, 29 de Agosto de 1972. Na carta, o diretor do DOPS/SP afirma ser “muito humano” e ter um “nobre coração”.
A atuação da Anistia Internacional em relação ao regime militar brasileiro se estendeu para além dos presos “adotados”. A organização pressionou o governo brasileiro a se pronunciar sobre a questão da tortura e sobre indivíduos encarcerados ao enviar cartas a diversas instâncias – autoridades federais, estaduais, municipais, Justiça Militar. Nesse sentido, há o registro de que o governo brasileiro recebeu 2800 cartas de integrantes da Anistia Internacional entre junho de 1972 a abril de 1973. O trabalho da Anistia Internacional de divulgação das denúncias de tortura contribuiu de maneira decisiva para afetar a imagem do governo Médici no exterior e para que a opinião pública e parte da imprensa de alguns países europeus e dos Estados Unidos condenassem a política de repressão conduzida pelo regime militar brasileiros.
Arquivos Consultados:
• Arquivo Nacional/RJ
• Arquivo Público do Estado de São Paulo
• Library of Congress – WS/DC
• International Institute of Social History – Amsterdam